Read some of the articles here in English. Look for the [English] sign.

01 fevereiro 2005

Separação entre estado e igreja

Escrito por Kerby Anderson, traduzido por Allan Ribeiro

Muro de Separação

Quando Thomas Jefferson primeiro usou a expressão “muro de separação”, é certo que ele nunca imaginou a controvérsia que cerca o termo dois séculos mais tarde. A metáfora tornou-se tão poderosa que há mais americanos familiarizados com a frase de Jefferson do que com o verdadeiro texto da constituição americana (1).

Em certo sentido, a idéia de separação entre igreja e estado é uma descrição precisa do que deve ocorrer entre as duas instituições. A história está cheia de exemplos (i.e. a Inquisição) dos perigos que surgem quando as instituições da igreja e do estado tornam-se entrelaçadas.

Mas o conceito contemporâneo de separação entre igreja e estado vai muito além do reconhecimento de que as duas instituições devem ser separadas. A versão atual desta expressão veio a significar que deveria haver uma separação completa entre a vida pública e a religião.

Em princípio, nós devemos estabelecer o óbvio: a frase “separação entre igreja e estado” não está na Constituição. Embora esta deva ser uma afirmação óbvia, é incrível quantos cidadãos (inclusive advogados e políticos) não sabem deste simples fato.

Já que a frase não está na Constituição e nem mesmo é discutida significativamente pelos autores (ex. Artigos da Confederação), está aberta a uma ampla interpretação e à má-interpretação. A única declaração clara acerca de religião na Constituição pode ser encontrada na Primeira Emenda e nós examinaremos a sua história legislativa adiante neste artigo.

Thomas Jefferson usou a expressão “separação entre igreja e estado” quando escreveu para a Associação Batista de Danbury em 1802. Então a frase caiu na obscuridade. Em 1947, o juiz da Suprema Corte Hugo Black, a ressuscitou no caso Everson x Comissão de Educação. Ele escreveu que a Primeira Emenda “foi planejada para erigir um muro de separação entre a igreja e o estado.” Ele acrescentou que este muro “deve ser mantido alto e inexpugnável”.

A metáfora do muro ressuscitada pelo juiz Black tem sido mal-usada desde então. Por exemplo, o muro de separação tem sido usado para argumentar que praticamente qualquer atividade religiosa (oração, leitura da Bíblia, momento de silêncio) e qualquer símbolo religioso (cruz, presépio, Dez Mandamentos, etc.) não são permissíveis fora da igreja e de casa. A maioria dessas atividades e símbolos tem sido extirpada de locais públicos. Como veremos, não parece que Jefferson tenha pensado em nada do tipo com a sua metáfora.

Também é digno de nota que seis dos treze estados [americanos] originais tinham igrejas patrocinadas pelo estado. Alguns estados (Connecticut, Georgia, Maryland, Massachusetts, New Hampshire, e Carolina do Sul) até mesmo recusaram-se a ratificar a nova constituição a não ser que ela incluísse uma proibição do envolvimento federal com as igrejas dos estados.

História da Frase (parte um)

Então, qual era o sentido da “separação entre igreja e estado” e como isso mudou? É necessário um pouco de história aqui.

A campanha presidencial de 1800 foi uma das eleições presidenciais mais asperamente contestadas da história americana. O republicano Thomas Jefferson derrotou o federalista John Adams (que havia sido vice-presidente de George Washington). Durante a campanha, os federalistas atacaram as crenças religiosas de Jefferson, argumentando que ele era um “ateu” e um “infiel”. Alguns tinham tanto medo de Jefferson na presidência que enterraram as Bíblias da família ou as esconderam em paredes, temendo que o presidente Jefferson as fosse confiscar (3). Timothy Dwight (presidente da universidade Yale) chegou a alertar alguns anos antes que, se Jefferson fosse eleito, nós poderíamos ver a Bíblia lançada em uma fogueira.”(4). Essas preocupações eram infundadas, já que Jefferson tinha escrito bastante nas duas décadas anteriores sobre o seu apoio à liberdade religiosa.

Em meio a essas preocupações, os republicanos leais da Associação Batista de Danbury escreveram ao presidente parabenizando-o por sua eleição e por sua dedicação à liberdade religiosa. O presidente Jefferson usou a carta como uma oportunidade para explicar por que ele não decretava dias de oração pública e de ação de graças, como Washington e Adams haviam feito antes dele.

Em sua carta a eles no dia de Ano Novo de 1802, Jefferson concordou com o desejo deles por liberdade religiosa dizendo que a fé religiosa era um assunto entre Deus e o homem. Jefferson também afirmou sua crença na Primeira Emenda e continuou dizendo que ele acreditava que a Primeira Emenda negava ao Congresso (ou ao presidente) o direito de ditar as crenças religiosas. Ele argumentou que a Primeira Emenda negava ao governo federal este poder, “desta forma erguendo um muro de separação entre igreja e estado.”.

Parece que a frase de Jefferson realmente veio da eleição de 1800. Ministros federalistas falaram contra Jefferson “geralmente de seus púlpitos, denunciando violentamente seu paganismo e deísmo” (5). Os republicanos, deste modo, argumentaram que clérigos não deveriam pregar sobre política, mas manter a separação entre as duas coisas.

Nós podemos acrescentar que um século e meio antes de Jefferson escrever aos batistas de Danbury, Roger Williams havia erguido uma “cerca ou muro de separação” em um folheto que ele escreveu em 1644. Williams usou a metáfora para ilustrar a necessidade de proteger a igreja do mundo, ou o jardim da igreja se transformaria em um deserto (6). Conquanto seja possível que Jefferson tenha tomado a metáfora emprestado de Roger Williams, parece que Jefferson não estava familiarizado com o uso de Williams da metáfora (7).

Jefferson usou sua carta aos batistas de Danbury para marcar um ponto-chave sobre seu poder executivo. Em sua carta, ele argumentou que o presidente não tinha autoridade para proclamar um feriado religioso. Ele acreditava que a autoridade governamental pertencia somente a estados individuais. Essencialmente, o muro de separação de Jefferson aplicava-se somente ao governo nacional.

História da Frase (parte dois)

Embora a carta de Danbury tenha sido publicada em jornais, a metáfora do “muro de separação” nunca obteve maiores atenções e essencialmente caiu na obscuridade. Em 1879 a metáfora entrou para o léxico da lei constitucional americana no caso Reynolds x Estados Unidos. A corte declarou que a carta de Jefferson “Pode ser aceita quase como uma declaração oficial do escopo e efeitos da (Primeira) Emenda assim assegurada” (8). Embora não tenha havido menção nesta opinião, há boas evidências para se crer que a metáfora de Jefferson não “desempenhou qualquer papel” na decisão da Suprema Corte (9).

Em 1947, o juiz Hugo L. Black ressuscitou a metáfora do muro de Jefferson no caso Everson x Comissão de Educação. Ele aplicou esta frase de uma maneira diferente de Thomas Jefferson. Black disse que a Primeira Emenda “foi concebida para erigir um muro de separação entre igreja e estado”. Ele acrescentou que este muro “deve ser mantindo alto e inexpugnável” (10).

Daniel Dreisbach, autor de Thomas Jefferson and the Wall of Separation Between Church and State [Thomas Jefferson e o Muro de Separação Entre Igreja e Estado], mostra que o muro de Black difere do muro de Jefferson. “Embora o juiz Black tenha dado crédito ao terceiro presidente pela construção do ‘muro de separação’, a barreira levantada no caso Everson diverge da de Jefferson na função e na localização” (11).

O muro levantado pelo juiz Black é “alto e inexpugnável”. Por outro lado, Jefferson ocasionalmente baixava o ‘muro’ se haviam circunstâncias atenuantes. Por exemplo, ele aprovou tratados com tribos indígenas em que subscreveu a ‘propagação do Evangelho entre os pagãos’”(12).

Há também uma diferença na localização dos dois muros. Enquanto o “muro” de Jefferson separava explicitamente as instituições da igreja e do estado, o muro de Black, mais expansivamente, separa a religião e todo o governo civil em todos os níveis – federal, estadual e local (13).
A metáfora de Jefferson era uma declaração sobre o federalismo (o relacionamento entre o governo federal e os estados). Mas Black a transformou em um muro entre a religião e o governo (que, por causa da incorporação da Décima-quarta Emenda, também poderia ser aplicada aos governos estaduais e locais).

Primeira Emenda

Como foi que nós obtivemos a redação da Primeira Emenda? Uma vez que entendamos a sua história legislativa, nós podemos entender a perspectiva daqueles que planejaram a Bill of Rigths [Carta dos Direitos] (14).

James Madison (arquiteto da constituição) é um dos primeiros a propor a redação do que viria a se tornar a Primeira Emenda. Em 8 de junho de 1789, Madison propôs o seguinte:
“Os direitos civis de ninguém podem ser reduzidos por causa de crenças religiosas ou de culto, nem deverá qualquer religião nacional ser estabelecida, nem deverão direitos de consciência plenos e igualitários ser, de qualquer modo, ou por qualquer pretexto, infringidos”.

Os representantes debateram essa redação e então encaminharam a tarefa para uma comissão, formada por Madison e dez outros membros do Congresso. Eles propuseram uma nova versão que dizia:

“Nenhuma religião deverá ser estabelecida pela lei, nem deverão ser infringidos os direitos igualitários de consciência”.

Esta redação foi debatida. Durante o debate, Madison explicou “Ele entendeu o sentido das palavras como sendo que o Congresso não poderia estabelecer uma religião e impor a observância legal dela por lei, nem forçar os homens a adorar a Deus de qualquer modo contrário a suas consciências”.

O representante Benjamim Hutington reclamou que a redação proposta poderia “ser levada a tal latitude que viesse a se tornar extremamente danosa para a causa da religião”. Então Madison sugeriu inserir a palavra “nacional” depois da palavra “religião”. Ele acreditava que isso iria reduzir os temores daqueles preocupados como o estabelecimento de uma religião nacional. Afinal, alguns estavam preocupados que a América pudesse vagar em direção à Europa, onde os países têm uma religião estatal, as quais os cidadãos eram frequentemente obrigados a aceitar a até mesmo a financiar.

O representante Gerry implicou com a palavra “nacional”, porque, argumentou ele, a Constituição criou um governo federal, não nacional. Então Madison retirou sua última proposta, mas assegurou ao Congresso que sua referência a uma “religião nacional” tinha a ver com um sistema religioso nacional, não com um governo nacional.

Uma semana depois, a Casa alterou novamente a redação para:

“O Congresso não deverá fazer qualquer lei com relação ao estabelecimento de religiões, ou proibir o livre exercício delas”.

Como podemos ver, o Congresso estava tentando evitar o estabelecimento de uma religião nacional ou de uma igreja nacional com o seu esboço da Primeira Emenda.

Separação, Patrocínio e Acomodação

Como o governo deveria se relacionar com a igreja? Deveria haver uma separação entre igreja e estado? Essencialmente há três respostas a essas perguntas: separação, patrocínio e acomodação.

Em um lado do espectro de opiniões está a separação estrita entre igreja e estado. Proponentes desta posição advogam a separação completa de qualquer atividade religiosa (oração, leitura bíblica) e qualquer símbolo religioso (cruz, os Dez Mandamentos) de prédios do governo. Richard John Neuhaus chamou isso de “a praça pública despida” porque os valores religiosos são arrancados da arena pública (15).

Proponentes desta visão se opõem a qualquer benefício direto ou indireto à religião ou a organizações religiosas por parte do governo. Isso incluiria se opor a bolsas pagas com dinheiro dos impostos, crédito educacional e distribuição de fundos governamentais para organizações baseadas na fé.

Do outro lado do espectro haveria o patrocínio de organizações religiosas. Os proponentes apoiariam a oração nas escolas, a leitura bíblica em escolas públicas, e a exibição dos Dez Mandamentos nas salas de aulas e locais públicos. Os proponentes também apoiariam a distribuição de bolsas pagas com dinheiro dos impostos, crédito educacional e distribuição de fundos governamentais para organizações baseadas na fé.

Entre essas duas visões está a acomodação. Proponentes argumentam que o governo não deveria patrocinar a religião e nem ser hostil à religião. O governo pode acomodar atividades religiosas. O governo deve prover proteção para a igreja e garantir a livre expressão da religião. Mas o governo não pode favorecer um grupo em particular ou uma religião em detrimento das outras.
Os proponentes se opõem ao apoio governamental direto de escolas religiosas, mas poderiam apoiar a distribuição de créditos educacionais desde que os pais fossem livres para usar o crédito em escolas públicas, privadas ou cristãs. Os proponentes se opõem à oração obrigatória nas escolas, mas apóiam programas que ofereçam acesso igualitário aos estudantes. Acesso igualitário significa que se os estudantes tiverem permissão para iniciar um clube de debates ou um clube de xadrez no campus, eles também devem ter permissão para ter um clube bíblico.
Nós devemos rejeitar a idéia de uma “praça pública despida” (em que os valores religiosos tenham sido arrancados da arena pública). E nós devemos igualmente rejeitar a idéia de uma “praça pública santa” (em que as idéias religiosas são patrocinadas pelo governo). Nós devemos buscar uma “praça pública aberta” (em que o governo nem censura e nem patrocina a religião, mas acomoda a religião).

O governo não deveria ser hostil à religião, mas tampouco deveria patrocinar a religião ou favorecer uma fé em particular em detrimento das outras. O governo deve manter uma neutralidade benevolente com relação à religião e acomodar as atividades e símbolos religiosos.

Notas
1. Barbara Perry, "Justice Hugo Black and the Wall of Separation between Church and State," Journal of Church and State 31(1989): 55.
2. Everson v. Board of Education, 330 U.S., 16, 18.
3. Dumas Malone, Jefferson and His Time, vol. 3, Jefferson and the Ordeal of Liberty (Boston: Little, Brown, 1962), 481.
4. Timothy Dwight, The Duty of Americans, at the Present Crisis, reprinted in Ellis Sandoz, ed., Political Sermons of the American Founding Era, 1730-1805 (Indianapolis, IN: Liberty Press, 1991), 1382.
5. Philip Hamburger, Separation of Church and State (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2002) 111.
6. Roger Williams, "Mr. Cotton's Letter Lately Printed, Examined and Answered," in The Complete Writings of Roger Williams (Providence, RI: Providence Press, 1866), 1:392.
7. Edwin Gaustad, Sworn on the Altar of God: A Religious Biography of Thomas Jefferson (Grand Rapids, Mich.: William B Eerdmans, 1996), 72.
8. Reynolds v. United States, 98 U.S. 145, 164.
9. Robert M. Hutchins, "The Future of the Wall," in The Wall between Church and State, ed. Dallin H. Oaks (Chicago: University of Chicago Press, 1963), 17.
10. Everson v. Board of Education, 330 U.S., 16, 18.
11. Daniel Dreisbach, Thomas Jefferson and the Wall of Separation Between Church and State (New York: New York University Press, 2002), 125.
12. Derek H. Davis, "Wall of Separation Metaphor," Journal of Church and State, vol. 45(1), Winter 2003.
13. Dreisbach, Thomas Jefferson, 125.
14. The details of the debate on the First Amendment can be found in the Annals of Congress. The Debates and Proceedings in the Congress of the United States. "History of Congress." 42 vols. Washington, D.C.: Gales & Seaton, 1834-1856.
15. Richard John Neuhaus, The Naked Public Square: Religion and Democracy in America (William B. Eerdmans Publishing Co., 1984).

________________________________________________________

Sobre o Autor
Kerby Anderson é diretor nacional de Probe Ministries International. Ele recebeu sua graduação (Bacharel em Ciências) na Oregon State University, mestrado em ciências pela Yale University, e em teologia pela Georgetown University. Ele é o autor de vários livros, incluindo Genetic Engineering [Engenharia Genética], Origin Science [Ciência da Origem], Living Ethically in the 90s [Vivendo Eticamente nos Anos 90], Signs of Warning, Signs of Hope, Moral Dilemmas [Sinais de Alerta, Sinais de Esperança, Dilemas Morais], e Christian Ethics in Plain Language [Ética Cristã em Linguagem Direta]. Ele também serviu como editor geral da Kregel Publications nos livros Marriage, Family and Sexuality [Casamento, Família e Sexualidade] e Technology, Spirituality, & Social Trends [Tecnologia, Espiritualidade e Tendências Sociais]. Ele é um colunista nacional, cujos editoriais tem sido publiados no Dallas Morning News, no Miami Herald, no San Jose Mercury, e no Houston Post. Ele é o anfitrião do programa de rádio "Probe", e frequentemente ajuda como anfitrião em "Point of View" [Ponto de Vista] (USA Radio Network).

O Que é Probe?

Probe Ministries é um ministério sem fins lucrativos, cuja missão é auxiliar a igreja na renovação da mente dos crentes com uma cosmovisão cristã e equipar a igreja para levar o mundo a Cristo. Probe cumpre essa missão através de nossas conferências Mind Games para jovens e adultos, do nosso programa de rádio diário de 3 1/2 minutos, e de nosso amplo web site: www.probe.org.
© 2006 Probe Ministries

Nenhum comentário: