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03 fevereiro 2005

As Raízes da Liberdade

Escrito por Kerby Anderson, traduzido por Allan Ribeiro

Introdução

O que é liberdade? Quais são as raízes da liberdade? Responder a essas perguntas não é tão fácil quanto possa parecer. Elas exigem algum pensar e refletir, o que, para a maioria de nós, é um produto valioso.

Felizmente, parte do trabalho duro já foi feito por nós pelo professor John Danford em seu livro Roots of Freedom: A Primer on Modern Liberty [Raízes da lIberdade: Um Manual Sobre a Liberdade Moderna]. O material neste livro foi originalmente material que foi transmitido pela Rádio Europa Livre e pela Rádio Liberdade no fim dos anos 80. Somente mais tarde alguém sugeriu que o material deveria ser publicado para que os cidadãos em uma sociedade livre pudessem também se beneficiar de seu trabalho em descrever as raízes da liberdade.

Então, como John Danford descreve uma sociedade livre?

As pessoas com certeza discordarão, mas o que se quer dizer aqui é uma sociedade em que os seres humanos não “nascem em” um lugar – um castelo ou uma ocupação, por exemplo – mas livre para ter propriedades, criar filhos, ganhar a vida, pensar, adorar, expressar visões políticas e até mesmo emigrar se desejarem, e de fazer isso sem buscar permissão de um mestre (1).

Obviamente nós todos temos alguns limites em nós, mas a liberdade humana em uma sociedade livre certamente envolve a liberdade de ser capaz de fazer as coisas mencionadas acima.

Uma vez que definimos uma sociedade livre, nós podemos facilmente perceber algo muito perturbador. “Sociedades livres têm sido raras na história humana. Elas também parecem ser frágeis – mais frágeis do que foram as dinastias ou impérios do mundo antigo” (2).

No passado, a liberdade era rara geralmente por causa da necessidade econômica. Há pouca ou nenhuma liberdade para uma pessoa que deve trabalhar todas as horas em que está acordada somente para sobreviver. No mundo antigo, um homem era livre porque outro era escravizado. Um homem livre era livre porque ele não precisava trabalhar para ganhar a vida.

Pelo fim do século dezoito, a necessidade econômica deixou de ser o obstáculo principal para a liberdade em muitos lugares. Ainda assim, havia muito poucas sociedades livres, por que o poder político estava geralmente concentrado nas mãos de um rei ou ditador (ou talvez nas mãos de alguns poucos da classe governante).

Hoje temos poucos reis, mas ainda temos muitos ditadores. As sociedades livres também ainda são um artigo algo raro hoje. Consideres que há perto de 200 países nas Nações Unidas, e ainda assim é provavelmente justo dizer que menos de 50 poderiam verdadeiramente ser chamadas de sociedades livre (com democracias funcionais).

Se nada mais, este estudo sobre a liberdade deve nos deixar pelo menos agradecidos de vivermos em um país livre. Sociedades livres são raras na história, e elas ainda são algo raras hoje em dia. Nós nunca devemos deixar de valorizar a liberdade política e econômica que gozamos.

As Raízes Cristãs

Danford discute as raízes da liberdade em seu capítulo sobre “Cristianismo Pré-moderno”. Embora nós consideremos muitas dessas suposições (emprestadas do cristianismo) como básicas e óbvias, elas são contribuições importantes que garantem a fundação da liberdade política que gozamos hoje.

A primeira contribuição do cristianismo foi o seu ensinamento acerca do valor do indivíduo. Nos impérios grego e romano, o individuo valia muito pouco. “Um indivíduo particular não tinha qualquer conseqüência quando comparado com a glória e a estabilidade do império” (3).

Jesus e seus seguidores ensinaram os homens e mulheres a pensar em si mesmos como significativos aos olhos de Deus. Este princípio basilar da dignidade e da santidade dos seres humanos estava em total contraste com as idéias dominantes da época.

Outro aspecto deste princípio era a crença de que Deus não era somente o deus de uma cidade, ou de uma tribo, ou mesmo de uma nação. O Deus da Bíblia é Deus sobre todos os seres humanos e salvador de todos os indivíduos. A crença na universalidade de Deus, junto com a ênfase no indivíduo, garantiram um importante alicerce para a liberdade porque ela era “incompatível com a tendência antiga de subordinar o indivíduo inteiramente ao estado ou império” (4).

Uma segunda contribuição do cristianismo envolve a idéia linear da história. Escritores antigos “entendiam a passagem do tempo em termos de ritmos sazonais do mundo natural” (5). O cristianismo trouxe uma perspectiva diferente ao ensinar que a história é linear. A história da Bíblia é a história, afinal de contas, do começo do mundo, da pecaminosidade humana, de Cristo vindo ao mundo, e da eventual culminação da história.

O conceito de história linear leva à idéia de que as circunstancias podem mudar com o tempo. Se a mudança é progressiva, então com o curso da história humana pode haver progresso. “A noção de progresso é em si uma idéia moderna, mas as suas raízes podem ser observadas na doutrina cristã de que Deus entra no tempo histórico para salvar a humanidade” (6).

Uma terceira contribuição do cristianismo é o princípio da separação entre a fé e a esfera política. Hoje isso é conhecido como separação entre igreja e estado (7). Tal idéia era inconcebível no mundo antigo. Naquelas culturas, os reis e sacerdotes estavam intimamente relacionados.

Quando Jesus foi questionado pelos fariseus se era justo pagar o tributo (Mateus 22.15-21), Ele respondeu dizendo a eles “Dêem a César o que é devido a César, e a Deus o que é devido a Deus”. Embora isso tenha sido muitos séculos antes que todas as implicações desta doutrina estivessem claras, as sementes da liberdade espiritual podem ser encontradas nestes ensinamentos cristãos.

A quarta contribuição do cristianismo é a crença na verdade objetiva. Conquanto seja verdade que outros filósofos falaram sobre a verdade, uma perspectiva cristã da verdade é, todavia, uma contribuição adicional importante.

Por exemplo, se não há verdade, então “não há algo como um alicerce justo ou apropriado para a regra política: quem quer que tenha o poder é, por definição, capaz de determinar o que é justo ou injusto, certo ou errado” (8).

Em nosso mundo pós-moderno, que rejeita a idéia de verdade objetiva ou absoluta, toda história é meramente a história da luta de classes. “Não há escapatória da busca infinita por poder, e não há espaço, protegido por muros de justiça, onde a liberdade genuína possa ser experimentada” (9).

Esta nação foi fundada sobre o princípio (como articulado na Declaração de Independência) de que existem verdades auto-evidentes. Como Jesus ensinou aos seus discípulos, “Vocês conhecerão a verdade e a verdade vos libertará” (João 8.32).

Thomas Hobbes

Thomas Hobbes nasceu na Inglaterra em 1588, e foi educado em Oxford no início dos anos de 1.600. Ele foi influenciado por homens como Francis Bacon (tendo servido como secretário de Bacon por uma época), assim como pelos eventos dos séculos dezesseis e dezessete. Uma influência importante foi a guerra religiosa e os conflitos da época (a Guerra dos Trinta Anos, os conflitos na Inglaterra entre os anglicanos e os puritanos). “As duas grandes preocupações de Hobbes (eram): paz como objetivo do poder civil, e uma nova ciência política como meio para alcançar esse objetivo” (10).

Ele desenvolveu cinco princípios-chave em sua ciência política. O primeiro é que os indivíduos são mais fundamentais que qualquer ordem social. Para entender os humanos, argumentou ele, nós devemos voltar a um “estado da natureza”, o qual representa a condição que os seres humanos estariam se todas as convenções e leis da sociedade políticas fossem abolidas.

Hobbes também argumentou que os humanos são iguais politicamente. “Ninguém pode ser considerado como politicamente superior, porque todo ser humano é vulnerável à morte violenta nas mãos de seus semelhantes” (11). “A condição natural da humanidade, disse ele, é solitária, pobre, sórdida, animalesca e curta” (12).

Hobbes assim argumenta que porque essas necessidades são universais (e cientificamente demonstráveis), elas fornecem uma base para o acordo e para uma ordem política pacífica. Ele argumenta que nós deveríamos “ser desejosos, quando outros forem também, tão inclinados para a paz quanto para a defesa de si mesmo que ele pensará ser necessário, abandonar este direito a todas as coisa e se contentar com tal liberdade contra outros homens, quanto ele permitiria que outros homens tivessem contra ele mesmo”(13).

Quarto, já que a sociedade política existe para a auto-preservação, ninguém pode abrir mão do direito à auto-defesa. Um princípio cardeal de uma sociedade liberal é que nenhum homem pode ser compelido a confessar um crime ou a testemunhar contra si mesmo em um tribunal.

Finalmente, todos os governos legítimos repousam sobre um contrato consentido (pelo menos tacitamente) pelos indivíduos. Hobbes chama este acordo de um “pacto” porque é um contrato aberto, uma promessa que deve ser continuamente cumprida no futuro.

Hobbes também argumenta que um soberano deve impor este pacto porque “pactos sem a espada não passam de palavras” (14). Mas embora ele justificasse um governo poderoso ou soberano, esta foi uma perspectiva que foi desafiada por outros como John Locke, que acreditava que mesmo o soberano deve ser limitado.

John Locke

John Locke era o filho de um puritano que lutou ao lado de Oliver Cromwell. Embora não fosse um puritano ortodoxo como seu pai, ele era, entretanto, um cristão sincero que cria que a Bíblia era a “verdade infalível”.

Locke argumentou em seu Two Treatises of Government que homens formam sociedades “para a preservação mútua de suas vidas, liberdades e bens, que eu chamo pelo nome geral, propriedade” (15). Por outro lado, ele escreveu que as coisas materiais não são posse de ninguém, mas existem em comum para todos os homens. “Deus, como disse o rei Davi (Salmos 115.16) deu a terra para os filhos do homem, dando-a para a humanidade em comum” (16). Mas por outro lado, ele também reconheceu que tomamos posse de coisas e, assim, as tornamos nossa propriedade.

Ele que se alimenta das nozes que colheu sob um carvalho, ou das maçãs que apanhou das árvores na floresta, certamente se apropriou delas para si. Ninguém pode negar que a nutrição seja dele. Eu pergunto então, Quando eles começaram a fazer isso? Quando ele fez a digestão? Ou quando comeu? Ou quando cozinhou? Ou quando as trouxe para casa? Ou quando as apanhou? E isto está claro, se a primeira colheita não as tornou suas, nada mais poderia. Aquele trabalho pôs uma distinção entre elas e as outras. Isso adicionou algo a elas além do que a natureza, a mãe comum de todos, fez; e então elas tornaram-se sua propriedade privada (17).

Locke também argumentou que a terra é fundamentalmente sem valor até que o trabalho seja acrescentado a ela. Ele vai ainda mais longe ao argumentar que a riqueza é quase que totalmente o produto do trabalho humano (ele diz 999/1000 do valor das coisas é o resultado do trabalho).

Ele também argumentou que “Os homens sendo, como se tem dito, por natureza, todos livres, iguais e independentes, ninguém pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder político de outrem, sem o seu consentimento” (18). Eke reconheceu que todo homem ou mulher nasce livre e torna-se um membro de uma nação ao concordar em aceitar a sua proteção, mas isso é mais comumente feito pelo que Locke chama de “consentimento tácito”.

Finalmente, Locke também concentrou sua preocupação na possibilidade de haver um governo opressivo, então ele insistiu na necessidade de limitar o poder do soberano tanto quanto possível. A legislatura não pode “Tirar de qualquer homem qualquer parte de sua propriedade sem seu próprio consentimento” (19).

Locke também insistiu em uma limitação final ao poder do governante: a cidadania. Ele escreve, “ainda que o legislativo seja somente um poder fiduciário para atuar com determinados fins, ainda resta nas pessoas o poder supremo de remover ou alterar o legislativo, quando eles acharem que o legislativo age contra a confiança depositada nele” (20).

Liberdade Americana

As idéias de liberdade encontraram seu caminho para a América quando as rachaduras provocadas pela guerra civil inglesa levaram muitos súditos ingleses para o Novo Mundo.Em suas viagens, “eles levaram consigo tanto do sistema de liberdade inglês quanto pôde sobreviver à travessia do Atlântico” (21).

Alguns desses colonizadores estabeleceram pactos civis (ou o que Locke chamaria mais tarde de contratos sociais). Talvez o mais conhecido seja o Mayflower Compact que foi um pacto político unindo os pilgrims em um “corpo político civil”. A maioria desses assentamentos americanos envolvia o auto-governo simplesmente porque os poderes que originalmente garantiam a eles seu sustento estavam milhares de milhas distantes.

O documento de fundação da América é a Declaração da Independência. As idéias de John Locke podem certamente ser encontradas neste documento. A Declaração afirma o princípio de Locke de que “todos os homens são criados iguais”. Ela também segue este raciocínio ao dizer que “Para assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados”.

Todos os escritores durante o período fundacional (Thomas Jefferson, James Madison, George Washington, John Adams, Benjamin Franklin, Alexander Hamilton) eram “profundamente” instruídos em história inglesa, história política geral e a história do pensamento político até Aristóteles e Platão. Referências a Cícero, Tácito e Plutarco pontuam suas páginas, junto com alusões freqüentes a repúblicas tão diversas quanto Veneza, Holanda, Genebra, Esparta e Roma” (22).

Alexander Hamilton, escrevendo nas The Federalist Papers, [Cartas Federalistas] disse que o povo americano decidiria “se sociedades de homens são realmente capazes ou não de estabelecer bons governos a partir de reflexão e escolha, ou se elas estão para sempre destinadas a depender, em suas constituições políticas, de acidentes e força” (23).

James Madison, nas The Federalist Papers, tocou em duas questões-chave no governo americano: facções e limitação do poder governamental. Ele sugeriu que a grande república federal tornou mais difícil para facções obterem poder e oprimir outros.

A limitação o poder do governo foi alcançada pela separação dos poderes. “Ambição deve se contrapor à ambição. O interesse do homem deve estar conectado com os direitos constitucionais do lugar” (24). Os autores buscavam “a política de suprir através de interesses opostos e rivais” a estes vários ramos do governo.

Como uma precaução extra, os autores também dividiram a legislatura (porque se achava que fosse ser o braço mais poderoso e perigoso) em duas casas diferentes. Eles também decidiram “conferir a eles, por modos diferentes de eleição e princípios diferentes de ação, tão pouco ligados uns aos outros quanto a natureza de suas funções comuns e sua dependência comum na sociedade puder admitir” (25).

Eles ainda protegeram direitos individuais ao apor a Bill of Rights. Essas emendas explicitamente negam poderes ao governo para interferir com liberdades individuais específicas.

Como podemos ver, os direitos e liberdades que gozamos hoje evoluíram com o tempo através da influência cristã e por escritores importantes na tradição ocidental.


Notas

  1. John W. Danford, Roots of Freedom: A Primer on Modern Liberty (Wilmington, DE: ISI Books, 2000), xiv.
  2. Ibid., xiv-xv.
  3. Ibid., 13.
  4. Ibid., 14.
  5. Ibid.
  6. Ibid., 15-16.
  7. Leia o meu artigo, "The Separation of Church and State" [Separação entre igreja e estado] no website de Probe em http://www.probe.org/content/view/1150/88 ou sua tradução para o português aqui no Equipando os Santos, na pasta “Probe”.
  8. Ibid, 18.
  9. Ibid., 20.
  10. Ibid., 77.
  11. Ibid., 83.
  12. Thomas Hobbes, Leviathan (Indianapolis: Hackett Publishing, 1994), 76.
  13. Ibid, 80.
  14. Ibid., 106.
  15. John Locke, Two Treatises of Government, ed. Peter Laslett (Cambridge: Cambridge University Press, 1960), Second Treatise, Par. 123, 395.
  16. Ibid., Par. 25, 327.
  17. Ibid., Par 28, 329-330.
  18. Ibid., Par. 95, 375.
  19. Ibid., Par. 138, 406.
  20. Ibid., Par. 149, 413.
  21. Danford, 146.
  22. Ibid., 149.
  23. Alexander Hamilton, The Federalist Papers (New York: New American Library, 1961), No. 1, 33.
  24. Ibid., No. 51, 322.
  25. Ibid.

© 2005 Probe Ministries

Sobre o Autor

Kerby Anderson é diretor nacional de This email address is being protected from spam bots, you need Javascript enabled to view it Probe Ministries International. Ele recebeu sua graduação (Bacharel em Ciências) na Oregon State University, mestrado em ciências pela Yale University, e em teologia pela Georgetown University. Ele é o autor de vários livros, incluindo Genetic Engineering [Engenharia Genética], Origin Science [Ciência da Origem], Living Ethically in the 90s [Vivendo Eticamente nos Anos 90], Signs of Warning, Signs of Hope, Moral Dilemmas [Sinais de Alerta, Sinais de Esperança, Dilemas Morais], e Christian Ethics in Plain Language [Ética Cristã em Linguagem Direta]. Ele também serviu como editor geral da Kregel Publications nos livros Marriage, Family and Sexuality [Casamento, Família e Sexualidade] e Technology, Spirituality, & Social Trends [Tecnologia, Espiritualidade e Tendências Sociais]. Ele é um colunista nacional, cujos editoriais tem sido publiados no Dallas Morning News, no Miami Herald, no San Jose Mercury, e no Houston Post. Ele é o anfitrião do programa de rádio "Probe", e frequentemente ajuda como anfitrião em "Point of View" [Ponto-de-Vista] (USA Radio Network).

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